Sexta-feira, 12 de Março de 2010

Introdução — o Caminho do

O movimento buddhista do Grande Veículo (sânsc. Mahayana) surgiu na Índia por volta do século II. Este movimento é baseado em diversos textos, que teriam sido registrados a partir de discursos (sânsc. sutra) proferidos pelo próprio Buddha Shakyamuni (século VI a.C.) e então preservados no reino dos nagas — dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana — até que os discípulos se tornassem aptos a recebê-los. Uma dessas pessoas aptas a receber os ensinamentos Mahayana teria sido o monge indiano Nagarjuna (século II-III), cujos trabalhos deram origem à escola filosófica do Caminho do Meio (sânsc. Madhyamaka). Nagarjuna não tinha a intenção de criar uma filosofia, mas sim de elucidar os ensinamentos dos Discursos sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajnaparamita Sutra), um conjunto de textos Mahayana que ele teria recebido diretamente dos nagas.


Nagarjuna recebendo
textos dos nagas

Em termos históricos, este textos apareceram da seguinte forma:

* Entre os séculos I a.C. e I d.C., surgiram o Ratnaguna Samcharya Gatha e o Ashtahasrika Prajnaparamita Sutra (Discurso da Perfeição da Sabedoria em 8.000 Linhas);

*Entre os séculos I e III, surgiram sutras mais elaborados, como os de 18.000, 25.000 e 100.000 linhas. Provavelmente, foi nesta época que apareceu o Vajracchedika Prajnaparamita Sutra (Discurso do Lapidador de Diamantes da Perfeição da Sabedoria, mais conhecido como o Sutra do Diamante);

*Entre os séculos III e V, surgiram textos mais concisos, entre eles o Sutra do Coração, ou Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutra (Discurso do Coração da Venerável Perfeição da Sabedoria);

*Entre os séculos V e X, surgiram textos com influência tântricas.

Segundo uma classificação tradicional, há 3 textos mãe (os discursos em 100.000, 25.000 e 8.000 linhas) e 17 filhos (incluindo os sutras do Coração e do Diamante).

Uma das ênfases dos textos Mahayana é o ideal do ser da iluminação, (sânsc. bodhisattva), alguém que está no caminho para alcançar o estado de Buddha, o estado de iluminação. Os bodhisattvas geram a mente da iluminação (sânsc. bodhichitta), que possui duas qualidades: a grande sabedoria (sânsc. maha-prajna), que transcende a existência cíclica (sânsc. samsara) e percebe a verdadeira natureza da realidade, ou vacuidade (sânsc. shunyata); e a grande compaixão (sânsc. maha-karuna), que transcende o estado de liberação (sânsc. nirvana) com a intenção de ajudar todos os seres sencientes a atingir a iluminação. Por isso, a bodhichitta relativa manifesta-se através da aspiração e da ação.

A bodhichitta da ação (ou da aplicação) é realizada através das duas acumulações (sânsc. bodhi-sambhara): acumulação de mérito (sânsc. punya-sambhara) e acumulação de sabedoria (sânsc. jnana-sambhara), também conhecida como acumulação de conhecimento ou acumulação de estado desperto atemporal.

Prajnaparamita, a Perfeição da Sabedoria. Com as mãos dos braços inferiores, ela faz o gesto da meditação; com a mão do braço superior direito, ela segura um cetro vajra; e com o mão do braço superior esquerdo, ela segura os texto do Prajnaparamita Sutra

Prajnaparamita, a Perfeição
da Sabedoria


Ao reconhecer a impermanência de todas as coisas, e ao perceber que apenas um buddha — um ser totalmente iluminado — pode trazer benefícios permanentes, a bodhichitta relativa dá origem à bodhichitta absoluta, ou última, que manifesta a grande sabedoria (sânsc. maha-prajna). Esta grande sabedoria não é um conhecimento intelectual, mas sim a compreensão da verdadeira natureza dos fenômenos — a vacuidade (sânsc. shunyata). O vazio (sânsc. shunya) é a ausência de uma essência, entidade ou existência inerente (sânsc. svabhava). A ausência de uma essência não significa que os fenômenos não existam, mas sim que eles são destituídos de "existência própria," de uma "natureza própria", e que eles "existem" apenas relativamente, em dependência de causas, partes e condições. Por causa de nossos obscurecimentos, percebemos os fenômenos de forma errônea, distorcida ou exagerada.

A verdade relativa está relacionada ao samsara, aos cinco agregados da forma, sensação, percepção, vontade e consciência. Nesta experiência ordinária, há a ignorância, que gera os hábitos dualistas de "eu" e "outro", o apego e a aversão, e conseqüentemente o karma do sofrimento. Neste contexto, para beneficiar os seres que têm esta experiência, foram ensinadas as quatro nobres verdades sobre o sofrimento, a causa, a cessação e o caminho. A verdade absoluta, entretanto, está relacionada ao nirvana, à vacuidade do agregados. Nesta experiência extraordinária, há sabedoria, destituída dos hábitos dualistas de "eu" e "outro", sem apego ou aversão, e conseqüentemente está além do karma, além do sofrimento. Neste contexto, os discursos sobre a perfeição da sabedoria apresentam a inexistência do sofrimento, da causa, da cessação e do caminho. Apesar de, em termos relativos, haver a experiência de samsara e nirvana, no nível da verdade absoluta não há essa dualidade ou separação; o nirvana é a verdadeira natureza do samsara.



Quando o Buddha ensinou as quatro nobres verdades, primeiro ele identificou os verdadeiros sofrimentos, causas, cessações e caminhos. Então ele disse: "Os sofrimentos são para serem reconhecidos, mas não há nada a ser reconhecido. As causas de sofrimento são para ser abandonadas, mas não há nada a ser abandonado. A cessação é para ser efetivada, mas não há nada a ser efetivado. O caminho é para ser meditado, mas nada há a ser meditado."
O significado é que, ainda que haja fatores para serem convencionalmente (e validamente) reconhecidos, abandonados, efetivados e meditados, nada há a ser reconhecido, abandonado, efetivado e meditado em última instância. Do ponto de vista da realidade última, todos esses estão além da atividade. Tudo tem o mesmo sabor no vazio da existência inerente. Desta forma, o Buddha especificou a perspectiva das duas verdades — relativa e absoluta.


(Dalai Lama, How to Practice)


O Sutra do Coração em sânscrito, escrito em caracteres siddham


Ao atravessar nossas versões conceituais do mundo com a espada da sabedoria, descobrimos shunyata — o vazio, a vacuidade, a ausência de dualidade e conceitualização. O mais conhecido dos ensinamentos de Buddha sobre o assunto é apresentado no Prajnaparamita Hridaya, também conhecido como o Sutra do Coração; mas, curiosamente, nesse sutra o Buddha pronuncia somente uma palavra. No fim do discurso, apenas diz "Bem dito, bem dito", e sorri. Ele criou uma situação em que o ensinamento de shunyata é exposto pelos outros ao invés de ele mesmo ser o verdadeiro intérprete. Ele não impôs sua comunicação, mas sim criou a situação em que o ensinamento pôde ocorrer, em que seus discípulos estavam inspirados a descobrir e experienciar shunyata. Existem doze estilos de apresentar o Dharma, e este é um deles.

Este sutra refere-se a Avalokiteshvara — o bodhisattva que representa a compaixão e os meios hábeis — e a Shariputra — o grande arhat que representa prajna, a sabedoria. Existem diferenças entre as traduções tibetana, [sino-]japonesa e o sânscrito original, mas todas as versões afirmam que Avalokiteshvara foi compelido a despertar para shunyata pela força avassaladora da sabedoria. Em seguida, Avalokiteshvara falou com Shariputra, que representa a pessoa de espírito científico ou de conhecimento preciso. Os ensinamentos de Buddha foram colocados sob o microscópio de Shariputra, o que quer dizer que esses ensinamentos não foram aceitos com fé cega, mas sim examinados, praticados, experienciados e postos à prova.




(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)



Se você é poeta, vê claramente uma nuvem em um papel em branco. Se não existir a nuvem, a chuva não cai. Se não cair a chuva, a árvore não cresce. Se não cresce a árvore, não se faz papel. Então, podemos dizer que o papel e a nuvem se encontram em interexistência. Se observarmos mais profundamente o papel, veremos nele a luz do sol. Sem a luz do sol, o mato não cresce. Ou melhor, sem ela, nada no mundo cresce. Por isso, reconhecemos que a luz do sol também existe no papel em branco. O papel e a luz do sol encontram-se em interexistência. Se continuarmos observando profundamente, veremos o lenhador que cortou a árvore posteriormente levada à marcenaria.

Veremos também o trigo no papel. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o pão de cada dia. Por isso, o trigo, a matéria-prima do pão, também existe no papel. Pensando desta maneira, reconhecemos que um papel branco não pode existir quando faltar qualquer um destes elementos. Não posso citar nada que não esteja aqui, agora. O tempo, o espaço, a chuva, os minerais contidos no solo, a luz do sol, as nuvens, os rios, o calor... tudo está aqui, agora. Não podemos existir sozinhos.

Este papel branco é totalmente constituído de "elementos que não são papel". Se devolvermos todos os "elementos que não sejam papel" à sua origem, o papel deixará de existir. O papel não existirá se forem tirados os "elementos que não sejam papel". O papel, em sua espessura fina, contém tudo do universo. Nele, não há nada que não exista em interdependência. A inexistência de elementos independentes significa que tudo é satisfeito por tudo.
Temos que existir em interexistência com os demais, assim como um papel que existe porque todo os demais elementos existem.




(Thich Nhat Hanh, citado em Caminho Zen)



Pense numa árvore. Ao pensar nela, você tende a pensar num objeto distintamente definido; e num certo nível [...] é isso mesmo. Mas quando você olha mais de perto para a árvore, percebe que em última análise ela não tem existência independente. Ao contemplá-la, verá que ela se dissolve numa rede extremamente sutil de relações que se estende por todo o universo. A chuva que cai em suas folhas, o vento que a balança, a terra que a alimenta e sustenta, todas as estações e o tempo, o luar, a luz das estrelas e o sol — tudo isso é parte dessa árvore.
À medida que você começa a pensar mais e mais sobre a árvore, descobre que tudo no universo ajuda a fazer parte dela o que é; que ela não pode em momento algum ser separada de qualquer outra coisa; e que é o significado que queremos dar quando dizemos que as coisas são vazias, que não têm existência independente.


(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)



Saiba que todas as coisas são assim: uma miragem, um castelo de nuvens, um sonho, uma aparição, sem essência mas com qualidades que podem ser vistas. Saiba que todas as coisas são assim: como a lua num céu brilhante, refletida em algum lago claro, ainda que para aquele lago a lua jamais se moveu. Saiba que todas as coisas são assim: como um eco que provém da música, sons e lamentos, embora nesse eco não haja melodia. Saiba que todas as coisas são assim: como um mágico que fabrica ilusões de cavalos, bois, carroças e outras coisas; nada é como parece.


(Samadhi-raja Sutra)



Quando dizemos que os fenômenos são vazios, isto não significa que eles são não-existentes [niilismo]. Quando batemos numa mesa, sentimos dor, e esta experiência de dor é prova suficiente de que a mesa existe [relativamente]; esta mesma experiência refutará e negará qualquer conceito errôneo de a mesa ser não-existente. Então qual é o significado de os fenômenos serem vazios? Os fenômenos são vazios no sentido de que eles não têm qualquer existência independente ou inerente.


(Dalai Lama, Dzogchen)



Para explicar estas duas verdades, pode-se usar como exemplo o corpo humano: o que é o "corpo"? É possível apontar a cabeça, o tronco, os membros etc., mas não o "corpo" em si; é possível analisar cada uma destas partes, até chegarmos às partículas da matéria, mas sem encontrar qualquer coisa que, sozinha, possa ser chamado "corpo". Até mesmo as partículas dependem de uma série de fatores interdependentes. Afirmar que o corpo "existe" por si mesmo seria contraditório, mas afirmar que ele "não-existe" também seria contraditório. Dizer que o corpo "existe e não-existe" ou que "não existe nem não-existe" seria apenas uma argumentação absurda.

Assim, poderia-se concluir que o "corpo" é apenas um nome (sânsc. nama), um conceito para designar uma determinada forma (sânsc. rupa) que, por sua vez, surge apenas em dependência de diversas partes, causas e condições — a cabeça, o tronco, os membros, o nascimento etc. Esses elementos, separadamente, não são o "corpo". Aqui, a verdade no nível relativo é que, convencionalmente, "existe" um corpo que surge em dependência das diversas causas, partes e condições. A verdade no nível absoluto é a impossibilidade de se fazer qualquer afirmação definitiva a respeito do "corpo", pois ele não existe por si mesmo, é destituído de existência inerente, nada mais que vacuidade (sânsc. shunyata). Esta lógica também pode ser usada para explicar o anatman, ou não-eu: o conceito de "eu" é vazio pois surge em dependência dos nossos cinco agregados (forma, sensação, percepção, vontade, consciência).



Cada um de nós possui um corpo físico, com o qual temos as experiências de céu e terra, amigos e inimigos, alegria e tristeza. Quando esse corpo se deita à noite para dormir, mesmo que não saia da cama, uma experiência totalmente diferente de corpo, céu, terra, amigos e inimigos aparece — o corpo do sonho, a fala do sonho e a mente do sonho. Quando acordamos, no dia seguinte, novamente temos as experiências do estado de vigília do corpo, fala e mente, que consideramos reais. Por ocasião da morte, quando temos uma outra experiência de corpo, fala e mente, no estado intermediário entre o final desta vida e o começo da próxima, uma experiência até certo ponto semelhante à do sonho, porém mais difícil e amedrontadora. Então, mais uma vez, renascemos com ainda um outro corpo, fala e mente. Se formos capazes de ter realização plena do caminho espiritual, quando da iluminação alcançaremos o corpo vajra ou o corpo de sabedoria, a fala de sabedoria e a mente de sabedoria.

Assim, há uma continuidade no princípio de corpo, fala e mente. No entanto, se pensarmos que ele é uma determinada "coisa", se tentarmos encontrá-lo, determinar seu tamanho ou formato, por mais inteligentes que formos, por mais poderosa a tecnologia que empregarmos, não encontraremos nada que possamos apontar como sendo a natureza do corpo, fala e mente. No entanto, não podemos negar a nossa própria experiência. Essa natureza está além dos conceitos, além da medida da mente ordinária: é aquilo que chamamos vacuidade. Ela não pode ser destruída, mudada nem interrompida — ela exibe as sete qualidades vajra.



(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista Budista)



As cores, os sons, os odores, os sabores e as texturas não são atributos inerentes ao mundo objetivo, não existem independentemente dos nossos sentidos. Os objetos que percebemos nos parecem completamente "exteriores", mas será que possuem características intrínsecas que definam a sua verdadeira natureza? Qual é a realidade do mundo tal como ele existe, independente de nós? É impossível saber, porque a única maneira de o apreender é através dos nossos conceitos. Por conseguinte, segundo o buddhismo, um "mundo" independente de toda a designação conceitual não tem sentido para ninguém.

Consideremos alguns exemplos: o que é um objeto branco? É um comprimento de onda, uma temperatura de cor, partículas em movimento? Essas partículas serão energia, massa, etc.? Nenhum desses atributos pertence intrinsecamente ao objeto; ele são simplesmente o resultado da sua exposição a modos de investigação particulares. Nos textos buddhistas, referem a história de dois cegos a quem explicavam as cores. A um, disse-se que o branco era a cor da neve; quando o cego pegou num pouco de neve, concluiu que o branco era "frio". Ao outro, disse-se que o branco era a cor dos cisne, e ao ouvir o som das asas de um cisne que voava, conclui que o branco fazia "fru.. fru..".

Em resumo, o mundo não pode se determinar sozinho. Se o fizesse, todos nós o perceberíamos da mesma maneira. Não está em questão negar a realidade observável ou dizer que não há realidade fora da mente, mas simplesmente que não há "realidade em si". Os fenômenos existem apenas em dependência de outros fenômenos, eles próprios interdependentes.




(Citado por Matthieu Ricard em Le Moine et le Philosophe)



Nós afirmamos o "eu", de novo e de novo, através da identificação. Nós o identificamos com um certo nome, uma idade, um sexo, uma habilidade, uma ocupação. "Eu sou um médico, Eu sou um advogado, Eu sou um contador, Eu sou um estudante". E identificamos as pessoas às quais estamos apegadas. "Eu sou um esposo, Eu sou uma esposa, Eu sou um pai, Eu sou uma mãe, Eu sou um filho, Eu sou uma filha." Agora, na maneira de falar, usamos o "eu" deste modo — mas não é apenas na fala. Realmente, acreditamos que o "eu" é quem somos. Quando qualquer destes fatores é ameaçado, se o "ser uma esposa" é ameaçado, se o "ser uma mãe" é ameaçado, se o "ser uma advogada" é ameaçado, se o "ser uma professora" é ameaçado — ou se perdemos as pessoas que nos permitem reter aquele "eu" —, que tragédia! [...]

A identificação com qualquer coisa é o que fazemos, e qualquer coisa é o que temos, posses ou pessoas que acreditamos ser necessárias para a nossa sobrevivência. Auto-sobrevivência [sobrevivência do "eu"]. Se não nos identificamos com isto ou aquilo, sentimos como se estivéssemos no limbo. Esta é a razão pela qual é difícil parar de pensar durante a meditação. É porque, sem pensar, não haveria identificação. Se o "eu" não pensa, com o que o "eu" se identifica? É difícil vir a um estágio de meditação no qual não há absolutamente qualquer coisa que se identifique com algo mais.

A felicidade também pode ser uma identificação, "Eu estou feliz", "Eu estou triste". [...] Esta identificação resulta, é claro, no desejo de possuir [felicidade, posses etc.]. E este [desejo de] possuir resulta em apego. [...] Cada momento passa, mas nos apegamos, tentando nos manter neles. Tentando fazer deles uma realidade. Tentando fazer deles uma segurança. Tentando fazer deles algo que não são. Veja como estão passando. [...]

Não há uma entidade específica em qualquer coisa. Isso é a vacuidade. Isto é a nulidade. Essa nulidade é também experienciada na meditação. É vazia, sem qualquer pessoa específica, sem qualquer coisa que a faça permanente, vazia de qualquer coisa a faça permanente, vazia de qualquer coisa que a faça mais importante. A coisa toda está em fluxo. Então, a vacuidade é isso. E a vacuidade deve ser vista em qualquer lugar, é para ser vista em si mesmo. E isso é o que chamado anatman, o não-eu. Vazio de uma entidade. Não há ninguém lá. É tudo imaginação.





(Ayya Khema, Meditating on No-self)


Já que o "eu" não pode ser observado como sendo alguma entidade que é separada da reunião dos cinco agregados e [o suposto "eu"] também não pode ser visto como sendo idêntico com eles [os cinco agregados], a existência de um "eu" não pode ser estabelecida. No primeiro exemplo, [é impossível] que o "eu" tenha existência separada dos agregados porque um sexto agregado adicional teria de existir, por que o apego ao ego aplica-se a mais nada que os agregados [mas este sexto agregado, de fato, não existe]. Além disso, como nenhuma coisa concreta existe separada das características dos agregados e como uma coisa inconcreta não pode realizar uma função, o "eu" não pode ser estabelecido como se existisse separado deles [dos cinco agregados].

Apesar de o "eu" não existir separadamente deste modo, sua existência não poderia ser estabelecida, de acordo com o segundo caso, como sendo idêntica aos agregados? Não, não pode porque suas características são incompatíveis. Em outras palavras, todos os agregados são condicionados e, portanto, provados como sendo impermanentes. Isto é contrário ao [suposto] "eu" que deveria ser permanente, como no caso de saber agora o que se viu antes. Além disso, os agregados são compostos por categorias com muitas divisões, tais como formas, sensações e assim por diante, enquanto se acredita que o "eu" é [supostamente] singular, como no pensamento "Eu sou!" E finalmente, os agregados dependem verificavelmente do surgimento e desaparecimento, enquanto o [suposto] "eu" é obviamente experienciado como sendo independente, como no pensamento "Eu sou!"



(Jamgön Kongtrül, The Light of Wisdom)



Se tudo é impermanente, então tudo é o que chamamos "vazio" [sânsc. shunya], o que significa ausência de qualquer existência durável, estável e inerente; e todas as coisas, quando vistas e compreendidas em sua verdadeira relação, não são independentes, mas interdependentes entre si. O Buddha comparou o universo a uma vasta rede composta por uma infinita variedade de jóias brilhantes, cada uma delas com um número incontável de facetas. Cada jóia reflete em si mesma toda outra jóia do conjunto, que é de fato una com toda as demais.

Pense numa onda no mar. Vista de um modo, parece ter uma identidade distinta, um fim e um começo, um nascimento e uma morte. Vista de outro modo, a onda não existe, mas é apenas o comportamento da água, "vazia" de toda identidade separada, mas "cheia" de água. Assim, quando você pensa a respeito da onda, vem a perceber que se trata de algo que se tornou temporariamente possível pelo fato vento e pela água, e que é dependente de um conjunto de circunstâncias permanentemente mutáveis. Você também percebe que cada onda está relacionada com todas as outras ondas.

Quando observamos atentamente, nada tem qualquer existência inerente e própria, e essa ausência de existência independente é o que chamamos "vacuidade" [sânsc. shunyata].




(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)



Se alguém pegar uma folha de papel e a rasgar, seu ato não perturbará ninguém. Mas se alguém pegar um pedaço de papel que seja uma nota de cem dólares e começar a rasgá-la, seu ato rapidamente se tornará algo importante. Mas, por que ficou importante, assim de súbito? Passou a importar porque todos concordam que uma nota de cem dólares é importante, embora seja somente um pedaço de papel. Por que algo assim é visto como importante pelas pessoas? Não há nenhuma razão especial, apenas ocorre que todos pensam que aquilo e importante. Então, isto é originação dependente: o valor das coisas é meramente dependente do que se pensa sobre elas. E tal não é verdade somente quanto a uma nota de dinheiro; todos pensam que o outro é mais valioso do que o ferro. Mas, por que o ouro é mais valioso? Simplesmente porque todos pensam que sim, pois o ouro por si mesmo não tem nenhum néctar milagroso jorrando dele, é apenas um metal.

Deste modo, a mente se apega às coisas, se apega às noções sobre as coisas, percebe algumas como sendo boas, outras como sendo más. Porém, em última análise, nada é bom por si mesmo. Trata-se apenas de uma elaboração mental. A natureza dos fenômenos, eventos e coisas é a vacuidade..

Tudo tem afloramento, tudo passa a ser, através da interdependência. Exemplificando, temos aqui dois pedaços de papel, sendo um pequeno e o outro grande. São "pequeno" e "grande" porque eles dependem um do outro. Se colocarmos um pedaço de papel maior próximo a eles, então o pedaço que era grande se torna agora um pedaço de tamanho médio. Por si próprio, ele não é um pedaço grande, nem um pedaço pequeno de papel. Grande ou pequeno, bom ou mau, bonito e feio, tudo é elaboração mental e não tem existência verdadeira.




(Thrangu Rinpoche, Meditação Budista)



Surgir, durar e desaparecer; existir e não-existir; inferior, médio e superior, não têm existência verdadeira. Estes termos são usados pelo Buddha de acordo com as convenções mundanas. Todo fenômeno deveria ter existência própria ou não-existência própria. Não há fenômeno que seja um destes dois, nem existem expressões que não venham sob estas duas categorias. Todo fenômeno [...] é similar ao nirvana, pois todo fenômeno é destituído de existência inerente. Qual é o motivo disto? É porque a existência dos fenômenos não é encontrada nas causas, condições, agregados ou partes. Assim, todo fenômeno é destituído de existência inerente e é vazio.


(Nagarjuna, Shunyata-saptati-karika)


Há duas linhas de raciocínio padrão pelas quais se cultiva um entendimento sobre a vacuidade. A primeira diz que nada tem auto-existência independente [existência inerente] porque tudo é feito de partes. Já que todas as coisas são dependentes de suas partes, elas não podem ter auto-existência independente. A segunda diz que um grupo de muitas coisas individuais não pode ser dito como tendo uma auto-existência independente porque, pela primeira linha de raciocínio, todas as partes componentes não têm auto-existência independente. Se as partes de um todo são dependentes de suas partes, então o todo não pode ser auto-existente independentemente.

Porém, a filosofia do Caminho do Meio não nega a existência das coisas no nível relativo. O mau entendimento dos ensinamentos do Caminho do Meio levaria a afirmar uma de duas posições errôneas. A primeira é o niilismo, no qual nada teria sido deixado no nível relativo da verdade, pelo qual se reconhece as coisas, o que negaria todos os conceitos ou entendimento das coisas no nível relativo como sendo não-verdadeiros. Isto poderia conduzir à conclusão de que própria vacuidade é incorreta, mal entendida ao afirmar a ausência de auto-existência independente, inerente, das coisas no nível relativo. [...]

A segunda posição errônea seria [o eternalismo,] aceitar a vacuidade no nível absoluto da verdade mas ver todas as coisas no nível relativo como meros conceitos mentais que são erroneamente tomados pela mente como sendo reais. Isto poderia levar a abandonar os ensinamentos e práticas do Dharma, tais como a meditação e a tomada do refúgio que traz bons efeitos kármicos. Ambas as posições são compreensões errôneas da vacuidade e levariam os indivíduos a acreditar que eles atingiram tudo, quando de fato não atingiram coisa alguma.

Um entendimento correto do ensinamento da vacuidade é a habilidade de manter na mente ambas as verdades, a relativa e a absoluta, ao mesmo tempo, sem ver qualquer contradição entre elas. Ashvaghosha disse, "Você nunca deve ignorar o nível relativo da verdade por causa da vacuidade. Ao invés disso, deve compreender que o nível relativo da verdade e a vacuidade no nível absoluto trabalham um com outro em harmonia." Por este motivo, a filosofia Madhyamika é dita como sendo um caminho intermediário ente o eternalismo e o niilismo.





(Brian T. Hafer, Is Deity Yoga Buddhist?)



Os fenômenos não surgem de si mesmos, nem dos outros, nem de ambos, nem do nada; então, de nenhum lugar as realidades compostas emergem. [...] Não existe qualquer coisa que não seja originada interdependentemente; portanto nada existe que não seja vazia [de auto-entidade]. [...] Afirmar [os fenômenos de maneira eternalista] é considerá-los eternos; negá-los é vê-los [de maneira niilista] como sendo o nada. Os meditadores hábeis não deveram nem afirmar, nem negar.


(Nagarjuna, Mulamadhyamikakarika)



Como não há partículas que existam como uma unidade inerente, nenhuma quantidade dessas partículas (não-inerentemente existentes) formará uma pluralidade, ou composto, inerentemente existente. Se um átomo de carbono não é uma entidade verdadeiramente existente, a bola de beisebol feita de átomos de carbono também deve ser não-inerentemente existente. Já que o "um" e os "muitos" exaurem as possibilidades (nada pode se menos do que "um" e mais do que "muitos"), a conclusão é que não há qualquer coisa que exista inerentemente. Todas as coisas são vazias de existência verdadeira.


(An Analisys of Madhyamike Particle Phisics)


Nagarjuna atacou a idéia de existência inerente, não a de existência convencional. O mundo convencional é real, não ilusório, mas é radicalmente impermanente (isto é, sem svabhava), e só pode ser descrito como convencionalmente verdadeiro. O conhecimento destas duas verdades, isto é, a paramartha-satya, ou verdade absoluta da ausência universal de svabhava, e a samvriti-satya, ou verdade relativa do mundo convencional, constitui o Caminho do Meio entre o eternalismo e o niilismo.


(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)



Apesar de, no nível absoluto, todos os fenômenos não terem identidade, no nível relativo eles definitivamente existem. Se este não fosse o caso, como prevaleceria o relacionamento entre causa e efeito? O Buddha também disse, "As coisas são produzidas convencionalmente mas, fundamentalmente, elas não têm uma identidade inerente." Os seres sencientes com uma atitude infantil exageram os fenômenos, pensando neles como sendo dotados de uma identidade inerente, quando na verdade não são.


(Shantarakshita, Bhavanakrama)


Você tem um idéia do vazio e uma idéia do ser, e você pensa que o vazio e o ser são opostos. No entanto, no buddhismo, ambos são idéias do ser. O vazio que queremos expressar não é igula idéia que talvez você tenha. Não se pode alcançar a total compreensão do vazio com sua mente pensante ou com seu sentimento. Por isso é que praticamos a meditação. [...] Todas as descrições da realidade são expressões limitadas do mundo do vazio. Contudo, ligamo-nos às descrições e pensamos que são realidade. Isso é uma enganação, pois o que é descrito não é a realidadeee verdadeira, e quando você acredita que é realidade, sua própria idéia está presente. Essa é a idéia do eu.

Muitos buddhistas cometeram esse engano. E por causa disso estão presos às escrituras ou às palavras de Buddha. Eles acharam que suas palavras são a coisa mais valiosa e que o modo de preservar o ensinamento é relembrando o que Buddha disse. Mas o que Buddha disse foi apenas uma carta do mundo do vazio, apenas uma sugestão ou alguma ajuda dele. Se uma outra pessoa a ler, talvez não faça muito sentido. Essa é a natureza das palavras de Buddha. Para se compreender as palavras de Buddha, não se pode confiar nas nossas mentes pensantes de sempre. Se você quiser ler uma carta do mundo de Buddha, será preciso entender o mundo de Buddha.



(Shunryu Suzuki, Nem Sempre É Assim)



Acreditamos que os fenômenos são reais e esta crença é a causa de numerosos sofrimentos. Entretanto, é preciso evitar cair no extremo oposto que consistiria em pensar que tudo é vazio, no sentido de que nada existiria. [...] É preciso compreender que o Buddha ensinou a vacuidade com um objetivo preciso: neutralizar os conceitos que podemos ligar à verdade absoluta, impedir de considerá-la um objeto existente ou não-existente, uno ou múltiplo, provido de qualquer determinação que seja. Todavia, atribuir uma realidade à vacuidade é um erro ainda maior, que seja completamente as portas da liberação. Nagarjuna dizia que aqueles que acreditam na realidade do mundo são, de certa maneira, semelhantes aos animais, mas que aqueles que consideram a vacuidade real são ainda mais estúpidos. Diz-se também que a crença da realidade dos fenômenos é um erro grande como o monte Meru, mas que se apegar à vacuidade é um erro maior ainda. Enquanto não tivermos obtido a liberação, as aparências ilusórias da verdade relativa continuam reais para nós e devemos ter consciência disso. Enquanto estivermos aprisionados, não poderemos agir como se estivéssemos livres.


(Kalu Rinpoche, Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano)



Se analisarmos ou dissecarmos uma flor procurando pela flor entre suas partes, não iremos encontrá-la. Isso sugere que a flor não possui uma realidade intrínseca. O mesmo é válido para um carro, uma mesa ou uma cadeira. E mesmo gostos e odores podem ser separados analítica ou cientificamente a ponto de não mais podemos apontar um gosto ou um odor. Ainda assim, não podemos negar a existência das flores e de seu doce aroma. [...] Então o que é vacuidade? É simplesmente essa impossibilidade de encontrar. Quando procuramos pela flor entre suas partes, somos confrontados com a ausência de tal flor. Mas então a flor não existe? É claro que existe. Buscar o âmago de qualquer fenômeno é em última análise chegar a uma apreciação mais sutil de sua vacuidade, sua impossibilidade de ser encontrado. Contudo, não devemos pensar na vacuidade de uma flor simplesmente como a incapacidade de encontrá-la com que deparamos quando procuramos entre suas partes. Mais exatamente, a natureza dependente da flor, ou de qualquer objeto que você queira citar, é que define sua vacuidade. Isso é chamado de origem dependente.

A noção de origem dependente é explicada de vários modos por diferentes filósofos buddhistas. Alguns a definem simplesmente em relação com as leis da causação. Eles explicam que, uma fez que uma coisa como uma flor é um produto de causas e condições, ela surge de modo dependente. Outros interpretam a dependência de forma mais sutil. Para eles, um fenômenos é dependente quando depende de suas partes, do modo como nossa flor depende de suas pétalas, estame e pistilo. Existe uma interpretação ainda mais sutil da origem dependente. Dentro do contexto de um fenômeno único como a flor, suas partes — as pétalas, estame e pistilo — e o nosso pensamento reconhecendo ou nomeando a flor são mutuamente dependentes. Um não pode existir sem o outro. Eles também são fenômenos mutuamente exclusivos, separados. Portanto, ao analisar ou procurar uma flor entre suas partes, você não irá encontrá-la. Ainda assim, a percepção da flor existe apenas em relação às partes que a constituem. Dessa compreensão da origem dependente decorre a rejeição a qualquer idéia de existência intrínseca ou inerente.



(Dalai Lama, Um Coração Aberto)



Em poucas palavras, a verdade última da existência, segundo o buddhismo, é shunyata, ou a vacuidade. Porém, "vacuidade" não quer dizer [...] aquilo que é "oco", mas sim que todos os fenômenos, todas as coisas, existem sob dependência ou interdependentemente, e não por si mesmas. Por esse motivo, porque nada existe por si só mas sim por dependência, cada fenômeno, isoladamente considerado é, em última instância, vazio.


(Dalai Lama, citado na revista Bodisatva)
Fonte: http://www.dharmanet.com.br/prajna/intro.htm
publicado por luzdecuraeamor às 22:12
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